domingo, 22 de março de 2015

Henry Louis Mencken | A Turba


Gustave Le Bon e seus discípulos, ao discutir a psicologia das multidões, formularam a ideia de que o indivíduo, quando ombro a ombro com a multidão, desce um grau ou dois intelectualmente e tende a exibir as mesmas reações mentais e emocionais de pessoas que lhe são inferiores. É assim que eles explicam a bem conhecida violência e imbecilidade das multidões. A turba, enquanto turba, chega a extremos de que seus membros, como indivíduos, nunca poderiam ser acusados. Sua inteligência média é mínima; mas é infecciosa, contagiante, quase simiesca. As multidões, bem trabalhadas por um esperto demagogo, acreditam em qualquer coisa e são capazes de tudo.

Ouso dizer que Le Bon está parcialmente certo, mas também parcialmente errado. Sua teoria é provavelmente elogiosa demais para com o ignorante médio. Ao misturar esse ignorante com o homem superior nos excessos de uma multidão, dá a entender que também o ignorante, no meio dela, faz coisas que nunca pensaria em fazer sozinho. O fato pode ser aceito, mas o raciocínio levanta uma dúvida. O ignorante se descontrola na multidão, não porque tenha sido inoculado por ela com o vírus da violência, mas porque sua própria violência tem ali a única chance de exprimir-se em segurança. Em outras palavras, o ignorante é perverso, porém covarde. Ele evita qualquer tentativa de um linchamento a cappella, não porque precise de estímulo para querer linchar alguém, mas porque precisa de proteção de uma multidão para fazê-lo sentir-se corajoso o suficiente para tentar.

O que acontece quando uma multidão se descontrola não é exatamente o que Le Bon e seus seguidores descrevem. Os poucos homens superiores dentro dela não são reduzidos de imediato ao nível dos fanfarrões. Ao contrário, costumam manter a cabeça fria e tentam até conter a multidão. Mas os fanfarrões são maioria; a cerca é derrubada ou o negro é queimado. E por quê? Não porque os fanfarrões, normalmente virtuosos, se tornam de súbito uns insanos criminosos. E sim porque se dão conta de repente do seu poder em número e porque ali há uma brecha para exercerem sua selvageria. Em outras palavras, o poder suíno de uma multidão já existe permanentemente na maioria de seus membros — digamos, uns 90%. Todos os estudos sobre a psicologia das multidões tropeçam nessa subestimação da selvageria. Os escalões inferiores do homem são, na realidade, incuravelmente perversos, seja individual, seja coletivamente. Decência, autocontrole, senso de justiça, coragem — essas virtudes pertencem a uma pequena minoria de homens. Essa minoria raramente se descontrola. Seu traço mais distinto, aliás, é a resistência ao descontrole. O homem de terceira classe, embora possa disfarçar-se com as barbas de um homem de primeira, será sempre descoberto por sua incapacidade de manter a cabeça diante de um apelo às suas emoções. O mesmo grito que se dá para estimular um animal a correr põe a nu o seu disfarce.

— 1918